Caos ordenado #001
"Eu estava aqui o tempo todo, só você não viu" – O porquê de cada história ter o seu próprio tempo e função
No auge dos meus 15 anos, após entrar de cabeça no universo literário de Cassandra Clare e ler O Inverno das Fadas de Carolina Munhóz, eu decidi estudar escrita criativa por conta própria e comecei a rascunhar meu primeiro romance.
Ficou uma bosta.
Era uma mistura das minhas obsessões jogadas de qualquer jeito no papel, mas ali foram plantadas as sementes do que você lê hoje por aqui, na Scriv e na Amazon. Apesar da confusão, o cerne do enredo já mostrava algo em que eu me aprofundaria anos mais tarde: a dualidade de personagens com moral cinzenta. Nenhum dos protagonistas era 100% confiável, e o grande mistério da trama era descobrir quem era a entidade de rosto coberto que surgira em busca de 5 relíquias lendárias que lhe garantiriam a magia necessária para controlar todo o continente.
Clichê pra caralho, como tudo feito por uma adolescente. Nas tramas paralelas, entretanto, eu despejei todos os meus medos, inseguranças e traumas de forma inconsciente, o que só me foi apontado pela Samara, a única amiga a quem mostrei essa loucura desde sua primeira versão.
Os rascunhos produzidos entre 2012 e 2019 não formam uma história boa para ser publicada porque, no final, eles não são uma história para ser publicada. São a minha história, a forma que o meu subconsciente encontrou para me conservar sã durante a difícil transição para a vida adulta.
Nesse período, além de tantas outras descobertas, finalmente me compreendi como pessoa LGBTQIAP+. A bissexualidade veio primeiro, a quebra da dualidade de gênero foi uma consequência. Só que já estava tudo lá, desde quando eu matava aulas do Ensino Médio para escrever. Existem partes escondidas dentro de nós que somente através da arte podemos acessar. As minhas sombras estavam atrás de portas que somente a escrita conseguiu abrir.
E a partir desse dia, finalmente pude escrever aquilo que eu sempre sonhei.
Ainda tenho vontade de revisitar esse universo projetado na adolescência. Quem sabe, com as habilidades de agora, consiga fazer a trama fluir. Apesar disso, publicá-lo não é meu primeiro plano. Melhor deixar que as palavras sigam seu caminho e mostrem seu destino. Eu, uma humilde serva, seguirei obedecendo como sempre fiz.
Neste ofício de lapidar palavras, aos poucos vamos aprendendo que cada história tem seu próprio tempo. Algumas já querem ser publicadas assim que o FIM aparece na página. Outras gostam de cochilar um tempinho na gaveta, seja ela física ou digital. Há também aquelas que hibernam, permanecendo intocadas por tanto tempo que chegam a ser dadas como mortas. A nós, escritores, resta apenas respeitar e esperar.
Existem ainda as histórias cuja função é ser conhecida apenas por aquele que a escreveu, sem tocar nenhuma outra alma. Esses textos são geralmente pessoais demais, tão crus que seu odor carnal faria um leitor hipotético torcer o nariz. Não são inúteis, essas histórias. São apenas secretas, tímidas demais para enfrentarem o mundo sem segurar na mão de seu criador.
As narrativas de um escritor são, a bem da verdade, como filhos. Cada um tem sua personalidade: há os que crescem antes do tempo e saem de casa cedo; os que demandam mais cuidado e apoio; os que nos enchem de trabalho e também orgulho.
Eu tenho muito orgulho dos meus filhos, até dos que você nunca vai conhecer. Por isso decidi escrever este texto: para lembrar a mim mesma de que, antes de mais nada, são eles, meus filhos-histórias, quem fazem tudo valer à pena.
Uma das coisas que mais gosto de ler dos bastidores de quem escreve é essa proximidade que temos com nossos textos, principalmente com os do início. Que bom que ainda hoje segue escrevendo, todos nós ganhamos!
😍😍